segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Salvador - Recife - Fernando de Noronha


Boa tarde galera querida...depois de 10 dias sem atualizar o Blog devido a falta de sinal de Internet em Fernando de Noronha vou agora tentar colocar o tico e o teco para se encontrar e fazer uma vasta lembrança de tudo que aconteceu durante esses dez dias de viagem desde a partida em Recife até a chegada no maravilhoso arquipélago de Fernando de Noronha. Vou tentar lembrar também com detalhes a nossa maravilhosa estada na Ilha que duraram 7 dias e o retorno forçado a Cabedelo (Paraíba) devido a problemas a bordo.
Vamos começar relembrando da partida de Recife. Como ficamos na categoria bico de proa, que são os barcos mais lentos, fomos a primeira turma a largar. A partida foi as 15hs do dia 25 de setembro em frente ao marco zero de Recife. Vinte minutos antes é dado o sinal para podermos fazer o checkin. Este se faz passando o barco entre três boias amarelas que deixamos por boreste e um grande palco montado no marco zero onde centenas de pessoas assistiam a este lindo evento que é organizado pelo Governo do estado de Pernambuco, junto com a prefeitura de Recife, Iate Clube Cabanga, Petrobrás, Marinha do Brasil entre outros patrocinadores como Heineken, e Aquarius fresh.
Largamos junto com Mony, Travessura, Passargadas entre outros amigos. Logo na partida sentimos que seria muito dura a travessia. Os sites de meteorologia estavam prevendo ondas de até 3,5m e vento de até 25 nós, apesar do expert em meteorologia do Cabanga não confirmar estas informações.
Saímos com todos os panos em cima o que levou o Gameio a atingir velocidade de até 7 nós. A mar estava muito batido e ficamos molhados durante toda a nossa travessia que duraram 53 horas. Apesar do cockipit do Gameio ter ficado bem protegido pela dog house, que junta com a bimini a força das ondas eram maior e a agua entrava por tudo que era lado.
Foram muitos Pirajás (grande concentração de nuvens pretas e carregadas que chegam rápido e com ventos de até 30 nós). Então não dava para bobiar nem um minuto sequer, assim que sentíamos a presença de nuvens íamos logo recolhendo as velas, porque se o Pirajá te pegar com as velas em cima talvez você não vai conseguir baixa-las e isto pode ter graves consequências como ter suas velas rasgadas ou até mesmo seu mastro partido ao meio. Após umas duas horas de navegação Torpedinho percebeu que os brandais (cabos de aço que seguram o mastro) de sotavento (lado da embarcação que o vento sai) estavam frouxos, e logo tive que reaperta-los. Vocês não tem noção do que é fazer este trabalho com ondas gigantes passando por cima do convés e o barco bastante adernado. Fui lá eu de cinto de segurança atado à linha da vida com alicate e chave de fenda no bolso. Acredito que levei quase uma hora entre retirar todas as cupilhas reapertar os esticadores e depois recolocar as cupilhas, tudo isso em cima de um touro mecânico. Mas no barco é assim quando você detecta um problema precisa resolver logo, porque por pior que estejam as condições elas ainda podem piorar a ponto de você não conseguir mais fazer o trabalho.
Assim que escureceu algo começou me incomodar, minha bomba elétrica de porão começou a acionar de 2 em 2 minutos o que indica que está entrando agua no barco tive que provar a agua do porão para saber se era doce ou salgada e pra minha sorte a agua estava bem doce. Conclusão esta vazando agua de um dos tanques de agua doce, no caso do Gamei o são dois tanques de 150 litros em cada bordo. Como o barco estava muito adernado e eu havia lotado os tanques de agua imaginei que seria esta a explicação. O Barco estava adernado para bombordo já que o vento entrava por boreste, então fechei o registro que faz a união estre os dois tanques, fazendo com que o tanque de boreste não colocasse pressão no tanque de bombordo. Logo reparei que a bomba que ligava de dois em dois minutos passou a ligar de trinta em trinta minutos......menos mal, mas um problema solucionado.
No domingo de manhã continuava o desconforto, o mar crescia cada vez mais e começávamos a sentir que algo poderia quebrar o esforço feito pela pressão do vento nas velas juntos com ondas de até 3 metros que quebravam em cima do convés faziam o Gamei o estremecer. Na manhã de domingo tivemos a terceira surpresa depois dos brandais e do tanque de agua. Estávamos com o vela grande no primeiro rizo que havíamos colocado no sábado de noite e o genoa 150 metade enrolada quando de repente com trinta nós de vento o cabo do enrolador partiu, fazendo com que minha genoa gigante ficasse toda solta. Fomos obrigados a arribar para terra afim de substituir o cabo do enrolador. Foi um pega prá capa, lá fui eu de novo no convés atado ao cinto de segurança tentar enrolar aquela vela gigantesca. Consegui com muito esforço alguns cortes na mão e escoriações no antebraço. Peguei um cabo novo pré esticado de 8 milimetros e lá fui eu de novo. Acho que a manobra toda demorou umas duas horas...mas lá estava nosso enrolador funcionando de novo.
Continuamos velejando forte o barco fazendo média de 6 nós comemos alguns sanduiches bolachas e bastante frutas, claro antes do almoço a cervejinha era sagrada afim de abrir o apetite e poder relaxar um pouco.
Torpedinho foi um cara muito legal, assim como o Bob, o que tornou nossa dura navegada prazerosa...conversamos muito, contamos muitas historias, e nos divertimos muito.
Conseguimos tomar um banho no cockipit o que elevou muito a moral da tripulação. Na madrugada de domingo para segunda eram duas horas da manhã, Bob e Torpedinho dormiam dentro da cabine quando de repente de novo com trinta nós de vento o cabo do enrolador partiu de novo. O barco estremeceu que achamos que ia partir no meio, os tripulantes pularam da cabine assustados achando que teríamos abalroado algo. Quis ir até a proa para tentar enrolar a vela na mão de novo o que seria impossível. Torpedinho que é um cara muito safo não deixou eu fazer a manobra a noite sob aquelas condições. Então descemos a vela mestra e ficamos a mercê daquela imensa vela puxando o Gameio fortemente.
Assim que clareou o dia avistamos  uma nuvem preta imensa na nossa proa, falei ou resolvemos agora ou quando o Pirajá chegar vai acabar com tudo. E lá fui eu de novo, cinto de segurança atado, cabo novo na mão, mais dois moitões para tentar direcionar o cabo do enrolador na entrada da panela afim do novo cabo não roçar a ponto de partir de novo. A força que faço para enrolar a vela é tão grande que meus braços ficavam com câimbra rapidamente além dos músculos saltarem para fora do braço. E a cada esforço eu tomava meio litro de agua e esperava alguns minutos para me recuperar. Trabalho cumprido muito molhado, suado,  etc.
Durante a madrugada de domingo para segunda tomamos mais um susto passamos tão próximos a um navio enorme que deu para ver os tripulantes passarem no passadiço. Eles deviam estar pensando será que esses malucos não viram agente?? Arribamos para a terra e deixamos o navio pela popa.
Não sei porque, mas diferente de 2007 a marinha não fez chamados aos veleiros, tentei contato pelo rádio e consegui falar com o Carlos (Gipsy Wind) passei a minha posição e informei que estava tudo bem a bordo caso ele conseguisse falar com um dos navios da marinha um rebocador de alto mar e uma corveta de guerra.
Na segunda feira o tempo feio persistiu mas já estávamos a quase 48 horas naquelas condições  e começamos a acostumar com a situação. De manhã descasquei uma cebola, alho e fiz um arroz com uma salada de tomate e cebola e alguns nuggets assados no forno. Comecei a escutar o rádio e descobrimos que uns 3 veleiros desistiram alguns rumaram para Recife outros para Natal. Dois barcos tiveram problema sérios com sua tripulação e a Marinha teve que fazer um transbordo (tirar um tripulante de um  barco e passar para o barco da Marinha) que possuía um médico a bordo. Um dos tripulantes permanece internado em Natal e teve um AVC sério a bordo. O Outro também ficou internado com alto grau de desidratação, porem com menos gravidade.
Eu fui o primeiro a avistar o Arquipélago e estava a trinta milhas, Torpedinho fez contato com comunicações Noronha, por sinal o operador era amigo de dele e o VHF (radio de comunicação marítima) do Gameio  conseguiu contato a mais de 30 milhas.
E durante todo o dia foi assim, o tempo ia passando e o Arquipélago ia ficando cada vez mais próximo no horizonte. Mas velejar é assim você vê o seu destino, mas demora até 8 horas para alcança-lo e lá pelas 20 horas contornamos a ponta da Sapata. Como viemos orçando (velejando o mais próximo da direção do vento) tínhamos uma folginha para arribar para o Arquipélago. Assim que apontamos para a raia de chegada da regata o vento que era forte ficou bem na cara e para cruzarmos a linha de chegada teríamos que bordejar várias vezes. Depois de 53 horas de navegação dura decidimos que ligaríamos o motor para cruzar a linha de chegada o que iria desclassificar o nosso barco. Sempre deixei muito claro que não gosto de regatas e para mim velejar tem que ser uma coisa prazerosa e ainda mais que o Gameio é um barco muito pesado um cruzeirão, o que torna ele muito lento para fazer regatas. E forçar o barco nessa altura do campeonato poderia significar uma quebra mais séria fazendo com que agente não atingisse o Arquipélago.
Antes de jogarmos âncora abrimos uma garrafa de champanhe para brindarmos o sucesso de nossa travessia. E no cockipit liquidamos a garrafa no gargalo mesmo. Em torno de 20hs jogamos âncora, bem afastado da praia pois no escuro tudo fica mais difícil, mas na manhã seguinte iriamos  trocar o barco de lugar. Lá em Noronha o vento e forte e constante e isso implica em um desembarque complicado. Como já previa esta situação levei o meu bote maior que tem 2,40m e leva confortavelmente 4 pessoas e também meu motor de popa um Mercury 3,3hp nunca me deixou na mão.
Acordamos bem cedo para vislumbrar as aguas azuis do Arquipélago. Comecei a fuçar o barco todo, a procura de algum dano que poderia ter acorrido durante a travessia. Fui revisando estais, mastro, anteparas, cabos das velas, folga no leme, óleo de motor, enfim passei um pente fino, e para minha surpresa notei que a antepara do banheiro teria se deslocado. Com um olhar mais atento percebi  que o mastro teria cedido uns 20 a 30 milimetros. Comecei a pensar e examinar o barco afim de descobrir oque teria provocado isto, e logo cheguei a conclusão que; na preparação do barco em troquei os estais (cabos de aço que seguram o mastro), e com isso foi feito um reaperto. Como a travessia foi muito dura o mastro foi pressionado para baixo, tanto que nas primeiras horas que partimos de Recife tive que reapertar os estais.
Só tem duas coisas que podem provocar tal situação:
1-      O mastro de apoio que fica dentro da cabine é de alumínio. O alumínio em contato com a agua salgada ao longo dos anos sofre uma reação química chamada de eletrólise que vai corroendo o pé do mastro de apoio, e isso faz o conjunto ceder.
2-      A segunda situação e que no convés (parte externa do barco) onde o mastro principal fica apoiado, existe um calço de madeira que também ao longo dos anos com um pouco de infiltração de agua pode sofrer um apodrecimento.
Examinei com cuidado e cheguei a conclusão que o calço que fica no convés se foi. Isso seria um problema para retornar com o barco até Recife. Fui coletando informações e fui orientado a reapertar os estais novamente. Isso faz com que o mastro continue firme, porque se ele estiver com folga o balanço do mar junto com uma rajada de vento mais forte pode derruba-lo.
Bom com teríamos 7 dias em Noronha deixei para depois como todo bom velejador. Então fomos ancorar o barco em um lugar mais próximo do desembarque. Torpedinho nos chamou e discutimos como iria fazer a manobra, e o objetivo era que faríamos toda a operação sem falarmos uma palavra. É comum em ancoragens vermos as pessoas no convés de seus barcos gritando um com outro, geralmente por causa de algum erro que o timoneiro faça. E  assim começamos a manobra; foi perfeito, apenas com gestos safamos a âncora sob forte vento e correnteza.
Na organização da Regata fomos orientados onde seria o local de ancoragem dos veleiros. Este era demarcado por duas bóias vermelhas limitando a praia e duas bóias brancas demarcando o limite de ancoragem afim de deixar o canal de acesso ao porto de Santo Antonio livre para os navios que abastecem os Ilhéus.  E foi neste limite que jogamos âncora em um lugar realmente privilegiado. Confesso que ficamos alguns metros fora da demarcação do canal e logo chegou a lancha da Ibama pedindo para retirar o barco de lá. Argumentamos que o barco ainda não estava afilado, e virando um pouco o leme para bombordo conseguimos que o barco entrasse um pouquinho e logo ele não incomodou mais.
Antes de descer em terra, precisamos ter absoluta certeza que o barco está realmente bem ancorado, caso contrário se ele garrar (soltar a âncora) por exemplo de madrugada ele pode descer com a correnteza em direção ao Caribe e nunca mais ou demorar muito para achar seu barco. Então providenciamos uma segunda âncora totalmente independente da primeira, com cabo, corrente e manilhas separados. Esta manobra chama-se: ancoragem em “V”. Muitos barcos fizeram isso. Mas assim que chegamos ficamos sabendo que um barco garrou a noite e foi encontrado 3 millhas da ancoragem e só foi achado com mais facilidade porque a luz que fica no top do mastro estava acesa. É isso ai durante a semana vou colocar os relatos da estada na ilha.